Coaching Executivo: O caso de Queiroz

Publicado no livro “Coaching & Mentoring – Foco na Excelência”, Editora Literare (SP) – 2013.

O Sol batia forte na vidraça da janela formando prismas cintilantes e irresistíveis ao olhar distante e involuntário de Queiroz, que da sua mesa de trabalho pensava na sua vida profissional e no novo desafio proposto pela empresa. A divisão de RH trazia agora um Processo de Coaching Executivo em resposta aos apelos da alta cúpula por melhores adequações de suas lideranças ao novo estágio de crescimento da indústria de doces.

Cabelos grisalhos e algumas rugas sinalizavam o amadurecimento do profissional que começou sua carreira ali mesmo, há trinta e nove anos atrás, no setor de expedição da então fabriqueta artesanal gerenciada pela sua proprietária, Dona Florinha. A primeira rotina laboral do jovem Queiroz se resumia no carregamento de bandejas de polietileno com quindins, olhos de sogra e brigadeiros entre as prateleiras de seu estoque e o interior de três peruas que levavam o produto para bares e lanchonetes da cidade.

Queiroz perdeu os pais ainda na adolescência. Fez evoluir sua carreira pelas próprias iniciativas e com recursos escassos. Estudou em escolas públicas e com o trabalho na fabriqueta pagou os diversos cursos técnicos que frequentou. Sonhou com um negócio próprio algumas vezes, mas não se sentia seguro bastante para empreender. Sua graduação em Gestão de Logística conquistou mais tarde, já casado e com todos os três filhos nascidos. As duas especializações na mesma área foram empreitadas recentes financiadas pela grande indústria alimentícia que se transformou a empresa de Dona Florinha, onde Queiroz ocupa a Gerência de Logística.

Participou de quase todos os cursos patrocinados pela empresa, porque assim desejavam suas chefias. Sempre com coisas mais importantes a fazer, durante esses treinamentos aprendeu a satisfazer as expectativas dos instrutores com discursos politicamente elaborados, mas que protegiam sua intimidade. Aproximava-se também de colegas mais racionais que reforçassem a possibilidade de manterem-se distante dos mergulhos interiores – “Algo meio improdutivo!” – ele pensava.

Mas aquele desafio seria diferente. Sua longa vivência já o informara sobre como acontecem os processos de coaching. Alguns colegas que se aventuraram vinham desses encargos com sorrisos iluminados ou olhos vermelhos e chorosos: “Minha vida mudou! De agora em diante serei outra pessoa.” – costumavam exclamar diante da observação desconfiada de Queiroz.

Ele pensava com olhar fixo naquela luz do sol, se valeria a pena se desafiar em algo assim agora, a essa altura de sua vida profissional, já satisfeito com o patamar que alcançou em sua carreira e com a forma como trabalha. Sempre produzindo muito, comandando com punhos firmes e atingindo as metas traçadas, embora reconhecesse que daquele momento em diante elas seriam muito maiores e já sentisse dificuldade em estar em todos os setores para continuar a ver as coisas de perto.

Mas antes que as reflexões concluíssem suas decisões, a porta da sala se abre com Cassiane, a assistente do RH, chamando-o para o início do processo de coaching executivo.

O encontro coletivo

Na já conhecida sala multiuso da empresa encontravam-se todos os ocupantes de cargos de sua linha gerencial e, para seu desconforto, também da linha de supervisores, ou seja, todos os seus liderados.

Este primeiro encontro seria coletivo e o “instrutor” era o coach Sebastião, que se apresentou sem falar de títulos ou certificações.

– Minha formação é nitrogênio, carbono e H2O, como a de todos aqui. – brincou – Um facilitador do desenvolvimento pessoal e profissional de cada um, apenas isso – disse identificando seu papel ali.

Em tom claro e voz que transmitia equilíbrio e segurança, o coach falou também sobre o coaching como um processo andragógico e não pedagógico. Explicou:

– A palavra pedagogia tem origem na Grécia antiga, formada pelos temos paidós, que significa criança e agogé, que significa condução, ou seja, algo como conduzir crianças ao aprendizado. E andragogia é a arte ou ciência de orientar adultos. Podemos entender então, que nosso processo não trará conhecimentos prontos, não ensinará conceitos de forma direta, pois sabemos que tudo o que precisaremos já está ai, dentro de cada um de vocês. O que faremos será estimulá-los a descobrirem-se com tais potenciais.

Continuou.

– Os propósitos do coaching executivo são muitos. O encargo pode desenvolver habilidades do líder, gerente; facilitar o desenvolvimento pessoal e profissional em ambientes organizacionais; assessorar a definição e alcance de metas pessoais e de negócio; alinhar objetivos pessoais e corporativos; ajudar a reter funcionários de alto potencial; administrar transições de liderança; corrigir problemas de desempenho e quaisquer demais objetivos que o executivo possa encontrar durante o próprio processo.

Queiroz parecia rígido sentado em uma das cadeiras colocadas em círculo no mesmo número de líderes presentes. Sua conduta eficaz filtrava o entendimento do que não lhe servia, providenciando conclusões rápidas e curtas em sua mente. “Nada que eu já não saiba ou que acrescente novos conhecimentos ao meu repertório” – pensava enquanto ouvia Sebastião.

Sebastião passou então a apresentar alguns detalhes sobre o programa ora se iniciando. Falou sobre mais três coaches que se juntariam a ele e da possibilidade de escolha por cada gestor pelo coach cujo perfil, formação e experiências, lhe interessassem mais. Convencionou depois algumas nomenclaturas, preocupado com o que chamou de homogeneidade semântica:

– Identificaremos como gestor a cada uma das senhoras e dos senhores; como agenda, a cada encontro com duração de setenta minutos que o gestor terá com seu coach semanalmente; como encargo ao conjunto de trinta agendas programado para cada gestor; como adensamento remoto a assistência dada à distância por cada coach a seus gestores e o material que será postado por ele em um website de acesso exclusivo do respectivo gestor; e, finalmente, identificaremos como processo de coaching executivo, ao conjunto de encargos, adensamento remoto e tudo mais, incluindo a este primeiro encontro coletivo e outro do mesmo tipo que faremos após o término dos encargos.

O funcionamento prático de Queiroz criou-lhe interesse por aquela parte mais sistemática e estrutural da apresentação. Animou-se e fez perguntas que lhe fornecessem dados para organizar sua participação no tal processo. Nessa tarefa notou que ali estavam institucionalizando o que aconteceria; que estavam contratando-se tacitamente entre si num processo formal de desenvolvimento que dependeria da iniciativa e participação de todos e independeria das formalidades e hierarquias organizacionais da empresa. Pelo conteúdo e tom das perguntas e comentários que os demais gestores faziam, Queiroz observou que a sua sensação estava em muitos outros também. Havia uma ambiência sinérgica de auto-responsabilidade naquela sala naquele momento e, embora o grupo estivesse se resolvendo ali, a falta de uma estrutura lógica e ordenada ainda incomodava a disciplina do velho profissional.

Depois do intervalo, Cassiane distribuiu envelopes aos gestores e antes que a primeira pergunta a respeito surgisse, explicou que cada envelope continha uma cópia de um mesmo questionário sobre aspectos comportamentais de gerentes. Orientou para que depois do encontro cada gestor respondesse a um deles em autoavaliação, e distribuísse os demais a três subordinados, dois pares e o superior imediato, pedindo que os preenchessem a respeito do gestor que os distribuiu, em heteroavaliação. Cassiane disse também que os envelopes com os questionários preenchidos deveriam ser lacrados pelos próprios avaliadores e levados pelo gestor na primeira agenda.

Em reação automática ao que ouvia da assistente do RH, os olhos de Queiroz percorriam por cada rosto na roda em busca de seus subordinados. Como pedir ao Lucas que o avaliasse em seu papel gerencial? Lucas era um jovem treinado por Queiroz desde quando entrou na empresa como auxiliar da embalagem, até hoje, como um de seus supervisores. Que argumentos de ordem prática e formal ele poderia usar para fazer tal solicitação sem se expor?

Da mesma forma, para cada subordinado, colega e chefia, a quem planejou entregar um envelope, Queiroz previu sistemáticas de argumentação que não o impactassem em sua autoridade e postura firme. Pensou em tudo isso ali mesmo, na roda e rapidamente. “O que precisa ser feito, tem que sê-lo rápida e efetivamente” – se lembrou do que ouvira de alguém no passado.

A programação do encontro evoluiu então para o que Queiroz e seus amigos chamariam mais tarde de “exposições desnecessárias”. Cada gestor falou por quarenta segundos sobre si mesmo, diante de uma câmera gravando as imagens que, depois, foram reproduzidas em TV e assistidas por todo o grupo.

Foi tudo que coube no tempo programado para o encontro. Despediram-se, então.

A primeira agenda

Uma sala de piso e paredes brancas, iluminada pela luz do sol auxiliada por lâmpadas de flúor acesas em luminárias modernas. No centro, um tripé retorcido em ferro cromado sustentando um círculo de vidro grosso e fosco com pouco mais de meia braça de diâmetro compunha a mesa rodeada por três cadeiras transparentes e pouco confortáveis. Na tela de um notebook aberto na mesa, piscava o cursor sobre um texto aparentemente inacabado. Apenas um vaso com planta de folhas grandes manchava de verde o branco do ambiente. Além de papéis e lápis, isso era tudo no recinto onde acabara de entrar Queiroz acompanhado de Sebastião.

Vinham da antessala onde Sebastião o recepcionou. Queiroz já o havia escolhido desde o encontro coletivo como seu coach, evitando análises mais subjetivas na seleção dos demais. Sebastião fechou a porta com a mesma leveza que aparentava seu traje: camisa de algodão azul claro, calça jeans e sapatos marrons. Queiroz ainda tirava partes do EPI que usava, colocando-as barulhentas juntamente com os envelopes sobre a mesa enquanto se sentavam.

Sebastião começou a conversa falando de si, um pouco de sua profissão, da vida na cidade onde morava, de informalidades, enfim. Queiroz ouvia desconfiado, mas agradado com a forma simples de abordagem do profissional. Contou também sobre sua vida pessoal e profissional.

– A coisa funciona assim? – interrompeu tímido e curioso – Não se utilizará de alguma técnica ou método?

– Na verdade já estou. – respondeu Sebastião sorrindo – Estou me utilizando neste momento de algo que Mesmer chamou de rapport há uns 230 anos atrás, Moreno chamou de tele, a física poderia chamar de dinâmica ou mesmo tensor, alguns psicanalistas menos ortodoxos poderiam também chamar de ambiente transferencial. Domino os conceitos do que faço, assim como você domina muito bem os que fundamentam sua atividade na empresa, mas para evolução do que propomos aqui, agora e depois, o que precisaremos fundamentalmente será de nossas densas sabedorias. Da sua, muito mais do que da minha. Pouco importa se elas comparecerem configuradas por este ou aquele modelo.

Isso deu um pouco mais de segurança e tranquilizou a Queiroz que, então, entregou os envelopes.

Com os olhos entre teclado e tela do notebook, digitando os dados dos questionários, Sebastião perguntou por que seu cliente não olhou sequer por um segundo para sua própria imagem e fala na TV, durante o encontro coletivo.

– Eu não me olhei? – indagou em tom ingênuo.

– Não. Pela sua reação diante da televisão eu diria que estava com muito medo disso – respondeu o coach que prestou atenção ao comportamento de cada gestor durante a apresentação na TV. – Se isto for uma verdade, por que alguém temeria olhar para seu próprio desempenho? – complementou a questão.

Antes que Queiroz conseguisse reconstruir sua postura, Sebastião rodou a tela de seu notebook em sua direção, exibindo dois octógonos irregulares e sobrepostos.

– A posição dos oito vértices de cada um desses polígonos representa os pontos resultantes de sua autoavaliação e sua heteroavaliação. Se concordar, podemos dar atenção a este aqui primeiramente: Empatia/alteridade. Que significa, de forma geral, sua habilidade em reconhecer o outro e em se colocar no seu lugar. Parece que você se avalia com quase 100% dessa competência e as pessoas a sua volta reconhecem apenas 20% disso. O que pensa sobre isso?

Na semana seguinte

Os mesmos prismas cintilantes na vidraça da janela estavam naquela manhã de sol sendo mais uma vez consultados pelo olhar fixo e distante de Queiroz sentado em sua mesa à espera da hora de sua agenda. Pensava nas questões inquilinas de sua mente desde a primeira agenda: “Eu não respeito às pessoas? Eu não as entendo? Eu não as ouço? E a mim mesmo, porque temo olhar?”.

As reflexões foram interrompidas pela chegada de Cassiane na porta de sua sala comunicando que um gestor não poderia ir e o tempo de Sebastião estava vago. Antes que a moça pudesse terminar, Queiroz pulou da cadeira e, caminhando a passos largos em direção à saída:

– O que precisa ser feito, tem que sê-lo rápida e efetivamente, Cassiane. Vou eu, então, no lugar dele. Antecipe minha agenda… por favor.

Sobre Álvaro de Carvalho Neto

Educador coorporativo desde 1996, tem graduação em Administração de Empresas e especialidades em Análise de Sistemas, Marketing, Liderança, OS&M, Gestão de Projetos, Coordenação de Grupos, Coaching e Psicodrama Sócio-educativo.

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