Desculpe, fui convidado pela vitrina.

Versão atualizada do texto publicado no Jornal Local em 15 de junho de 2022.

Aprendi a entender as fofocas de vitrinas nas cidades para onde me mandavam proferir palestras e cursos para comerciantes. A quantidade de bobagens caía bastante quando eu andava dialogando com elas nas ruas, antes de abrir minha boca diante do público. Caía também o tempo inicial para apresentações e me deixava mais à vontade, como que já conhecendo suficientemente sobre todos.

As vitrinas delatam o perfil de consumo das localidades. São compostas para chamar a atenção das pessoas que passam e tal intenção expõe bem mais do que apenas produtos. A sutil dinâmica entre a disposição, cores, iluminação, nichos, assessórios e etiquetas de marcas e preços “falam” com o que e como os transeuntes são mais facilmente tocados. Cochicham sobre a conduta de consumidores e vendedores locais.

Após papos sem graça com o arranjo de três lojas passadas desde a rodoviária, baixei mais uma vez frustrado as mochilas no chão diante da quarta vitrina que insistia no mesmo discurso das anteriores. Não me contavam novidade alguma. Na verdade, de tão padronizadas, nada estimulava meus sensores mesmo eu estando ali à procura de diálogo com elas. Diante da mesmice, como fiz nas últimas cidades que visitei naqueles meses, abortei a missão de reconhecimento e fui para o hotel dormir.

As vitrinas delatam o perfil de consumo das localidades. São compostas para chamar a atenção das pessoas que passam e tal intenção expõe bem mais do que apenas produtos.

Até aquele ponto de minha peregrinação, tínhamos uma corrida contra um problema pandêmico, mas não crônico. Toda distorção percebida servia de temas e argumentos para minhas palestras, cursos e consultorias. Não era muito difícil ajudar aos comerciantes a enxergarem novas necessidades, desejos e sonhos nos mercados nos quais atuavam. Para valorizarem a descoberta, eu precisava apenas apontar para ações diferentes, deixar acontecer alguns resultados e a gana empreendedora cuidava de transformar tudo em novas formas de funcionamento. Mas, ali, naquela pequena cidade, durante o curso para empreendedores, veio um primeiro sintoma agravante:

“Tudo mudou para melhor! Os fatos mais preocupantes se tornaram tão bobos que eu pouco sentia o impacto deles. Não foi nada fácil pra mim agradecer até mesmo ao que não me agradava, mas eu repetia ‘gratidão, gratidão’ e ia me sentindo mais tranquila. Hoje, nada mais me abala” – disse Dona Iolanda, proprietária de uma das boutiques da cidade. “Quero mais é ser feliz” – complementou Carlos, seguido por outros eufóricos por também subirem no bonde da felicidade.

Além de concorrência dominante, poucos fatos podem alavancar um pequeno empreendimento cujo proprietário perde o medo, a ansiedade, a garra, o incômodo, a insatisfação pessoal ou o espírito vencedor. Naquela cidade, pequenos negócios e empreendedores descansavam felizes nos limites da suficiência.

A padronização tinha se difundido no comércio das pequenas cidades e parece que tal disfunção mercadológica resiste e vem se agravando até os dias de hoje. Um vício competitivo que, apesar do esforço sexagenário do marketing, prega o olhar do empreendedor no produto dando-lhe tantas tarefas com este foco que nem um resgo de sua atenção sobra para novas possibilidades do mercado que atua. Os clientes, então, se acomodaram na mesma mediocridade e, como eu aprendera a fazer, perdem expectativas e abortam a missão de busca por diferenciais.

Era preciso fazer alguma coisa por aqueles empreendimentos, antes que o mercado local atraísse negócios arrojados que empurrassem a vaquinha dos méritos da gratidão no precipício.

A solução veio das minhas colegas de papo: as vitrinas de rua. Passamos a exagerar nos detalhes do merchandising que colocassem alguns produtos irresistíveis aos olhos dos transeuntes. A posição das peças mais significativas, a iluminação, o cartaz, a mesa expositora na calçada, o perfume e tudo que pudesse estimular à visitação das lojas.

O que fiz foi usar o que chamo de método da visita ilustre. Baseia-se na necessária arrumação e aquisição de utensílios novos para a casa que recebe a inesperada notícia de uma visita ilustre.

Sobre Álvaro de Carvalho Neto

Educador coorporativo desde 1996, tem graduação em Administração de Empresas e especialidades em Análise de Sistemas, Marketing, Liderança, OS&M, Gestão de Projetos, Coordenação de Grupos, Coaching e Psicodrama Sócio-educativo.

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