Não é um fato?

Publicado no Jornal Local em 16/03/2022.

“Não é um fato, Luiza?” – Minha mãe nos resumia a recordação sobre o falecido tio com sua expressão marcante. Sentados ao redor da mesa, ouvíamos a alegria das histórias de Dona Luiza, como que buscando modelos que nos permitissem ser como ela. Dentre as muitas que ainda me lembro, estão as do seu Tio Jonjoca, que parecia buscar confirmação para cada frase que dizia, concluindo-as com: “Não é um fato?”.

Hoje, entendo o porquê do incômodo que a expressão causava em minha meninice. Mesmo que não dirigido a mim, verbalizar aquele questionamento me estimulava a uma checagem nas verdades sobre as histórias infantis ouvidas e esvaziava minha ilusão. O prazer de deixar-me levar pelos contos passou a ser interrompido pela necessidade da avaliação consciente aos fatos. Enquanto eu preferia manter vivas as sensações gostosas da infância ingênua, lembrar o cacoete do Tio Jonjoca me convidava à vida adulta.

A vida adulta veio até mim e meteu-me no mundo empreendedor. Um universo de decisões que, teoricamente, se baseiam em fatos concretos. Porém, do ponto de vista de meu papel nessa área, vi pouquíssimos dados de realidade incluídos nos processos decisórios da maioria dos pequenos empreendimentos que acompanhei. Ao contrário, imbuída da autoridade da fé, a intuição aparecia solitária para a tarefa.

Como que com o mesmo receio da minha infância, aqueles empreendedores pareciam temer que os fatos lhes roubassem as sensações gostosas das ilusões e dos sonhos. Em alguns casos, o destino das iniciativas era entregue a alguma entidade maior, a quem o decisor devia gratidão pelos acertos e consolava com justificativas pelos erros. Em outros e sob o gozo do mesmo prazer, a competência testada em ousadias temerárias do passado, fazia pressentir a possibilidade de reconstrução se o caminho intuído desse com os burros n’água.

Fé, competência, intuição, emoção, sonhos e ilusões são, humana e obviamente, fatores fundamentais no sucesso das decisões, mas não podem estar sozinhos no arsenal de recursos usados para ela.

Fé, competência, intuição, emoção, sonhos e ilusões são, humana e obviamente, fatores fundamentais no sucesso das decisões, mas não podem estar sozinhos no arsenal de recursos usados para ela. É preciso que dados de realidade, mesmo que limitados à disponibilidade do momento, informem os porquês com alguma base lógica.

As decisões não têm relação com o resultado. A afirmação pode parecer absurda, mas é tão verdadeira como também devem ser as informações para se decidir. As decisões não são garantia de algum resultado almejado, mas precisam ser tomadas e da forma mais assertiva possível, ou seja, com base em dados de realidade. Quanto mais informações concretas forem obtidas no tempo decisório, mais clareza e segurança surgirão e menos ansiedade e incertezas incomodarão o desenrolar da iniciativa – tudo fica em domínio consciente.

Dados como o número de moradias próximas à loja ou o número de vindas dos principais clientes e o valor comprado em cada visita; o total recebido em salários no seu município, o número de empresas que poderiam consumir o insumo vendido, o município com maiores chances para implantação de uma filial (conseguidos no site do IBGE); perfis nas redes sociais que os delatem como potenciais clientes, enfim, estão entre os incontáveis disponíveis por aí. Serão suficientes para, por exemplo, definir metas, focar mercados específicos, estimar faturamento possível, delinear nichos e segmentos, etc.

Independentemente das fontes, levantar, registrar e acompanhar dados pode ser uma tarefa chata, das que fazem o empreendedor sentir culpa pelo tempo gasto longe do corre-corre de costume.

Serão, realmente, tarefas chatas. Encarar a vida adulta deixando a gostosa ilusão da infância também foi difícil para minha ingenuidade infantil. Até que o vício do Tio Jonjoca me exercitou no amadurecimento e senti as vantagens disso. Procure você também, empreendedor, criar o habito corajoso de se perguntar pelos dados de realidade, de buscar respostas concretas ao maior número de questões enfrentadas pelo seu negócio. Afinal, não somos mais crianças, não é um fato?!

Sobre Álvaro de Carvalho Neto

Educador coorporativo desde 1996, tem graduação em Administração de Empresas e especialidades em Análise de Sistemas, Marketing, Liderança, OS&M, Gestão de Projetos, Coordenação de Grupos, Coaching e Psicodrama Sócio-educativo.

3 comentários

  1. Muito interessante o texto, excelente reflexão, adorei.

  2. Me fez refletir …. excelente!!!

  3. Excelente!!! Ao ler vivi a história!!

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