Rede de cumplicidade

Publicado no Jornal Local em 30/03/2022.

Era realmente para parar a produção! Não pediram para apressar o processo, cortar caminhos ou concentrar recursos. A ordem recebida pelo encarregado era para que fosse suspensa a produção das entregas do dia e que, a partir daquele momento, toda a fábrica deveria se empenhar no pedido que acabara de chegar.  

De uma hora para outra, a assertividade do planejamento e os cuidados no monitoramento dos processos foram abandonados. Assim como também foram desconsideradas a confiança e motivação das operárias, até então focadas nas metas estabelecidas. O encarregado fazia malabarismos orais, explicando à liderança os porquês do desrespeito ao confiável plano anterior. Os líderes, por sua vez, repassavam os discursos preocupados em reengajar suas equipes ao trabalho e, agora, no novo desafio. No front, as pessoas do comercial descobriam-se com habilidades inimagináveis justificando as faltas para os clientes.  

Desconfiança, desconforto e insegurança instauraram-se em toda a pequena fábrica de tortas naquela manhã.  

Qual razão estratégica mudara os rumos e tirara a importância ao cumprimento dos prazos, tão defendida? Que ganhos poderia ter a empresa, que compensassem o desgaste com os clientes que esperavam aquelas entregas? O que queria o proprietário com a decisão pelo atropelo?  

“Tenho amigos que me ajudam enquanto eu os ajudo também. Formamos um grupo com a qual podemos contar sempre. Em qualquer dificuldade, de qualquer um de nós, todos sabemos que alguém estará pronto para ajudar. Então, não pude negar o pedido do Jonas. Sei que ele não me negaria se eu precisasse da mesma coisa. As tortas que ele me pediu estarão na empresa dele amanhã, como ele quer”.  

Não pude mais ajudar ao empresário e sua fábrica de tortas, após ouvir suas justificativas. Não há muito o que se fazer pelo negócio quando o empreendedor não o considera uma entidade respeitável e utiliza seus recursos como meio para ganhos pessoais. Por melhores que sejam suas intenções nas iniciativas de organizá-lo para crescer, muitos donos traem as estruturas e pessoas do empreendimento em prol do status social alcançado lá fora. Como que em um berço acolhedor, se acomodam na segurança sentida nas relações sociais conquistadas, se desmotivando para qualquer crescimento que os tirem aquela sensação. O negócio parece lhes dar a dignidade relacional que sentem não ter em si e temem por deixá-lo se transformar.  

Como que em um berço acolhedor, se acomodam na segurança sentida nas relações sociais conquistadas, se desmotivando para qualquer crescimento que os tirem aquela sensação.

A manutenção de boas redes de contatos é estrategicamente importante para o negócio. A competência para isso está em quase todas as versões do relatório sobre características apropriadas aos empreendedores, atualizada desde 1999 pela Global Entrepreneurship Monitor. Mas, em algumas culturas, tenho observado estratégias empresariais restritas ao âmbito de poder dos membros da rede de amigos do empresário, como se o domínio daquelas relações fosse mais importante que qualquer ousadia que o tire dele.  

Não serão redes de contatos, mas de cumplicidade, as voltadas para si próprias. As que alimentam preocupação para os ganhos individuais ainda não tidos ou já devidos aos demais membros. As que condenam, mesmo que subjacentemente, aos que se assumem fortes e independentes.  

Ao contrário, as redes produtivas são compostas por pessoas preocupadas com o crescimento de cada membro. Conscientes da necessidade de desenvolvimento do todo e da possibilidade de todas nessa tarefa, as pessoas nesses grupos têm os olhos voltados para frente, para cima, torcendo e estimulando para que todas alcancem seus sucessos.  

Aproxime-se de pessoas interessantes ao seu negócio, empreendedor. Faça-se um interesseiro declarado quando o sucesso lhe pedir. Deixe claro seus objetivos pragmáticos nas relações que conquistar e, se puder, expresse os sonhos que tem para seu empreendimento. Demonstre respeito à autonomia de seu negócio enquanto entidade em desenvolvimento. Isso atrairá pessoas amadurecidas para seu ponto de vista, de onde se vê o estado futuro que você quer. Elas ajudarão se notarem que o que você almeja faz crescer espaços para o que almejam também, sem debitar favores. 

Sobre Álvaro de Carvalho Neto

Educador coorporativo desde 1996, tem graduação em Administração de Empresas e especialidades em Análise de Sistemas, Marketing, Liderança, OS&M, Gestão de Projetos, Coordenação de Grupos, Coaching e Psicodrama Sócio-educativo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *