Ninho de Passarinho

Publicado no Jornal Local em 23/02/2022.

O fio encaracolado do telefone deixava-se sobre si mesmo em espiral, com diâmetros reduzidos em meio centímetro a cada nova volta indo para o topo do cone aparentemente perfeito. Bem ao lado, harmonizadas ao tema do cenário, duas correntes douradas pareciam competir em raias precisamente paralelas, após largadas do relógio e chaveiro Cartier aos quais pertenciam. Em um pêndulo, no outro extremo do tampo cinza, bolas metálicas, cromadas e penduradas por fios de prata, tinham exatamente um segundo para se reencontrarem em trombadas que as impulsionavam para novo ciclo da infinita brincadeira. Peças, cujos detalhes podiam ser também notados com a mesma nitidez pelo reflexo na superfície limpa da mesa.

Requinte e perfeição são expressões facilmente intuídas em uma displicente olhada naquela mesa de trabalho. Por detrás dela, espojado em cadeira que despreza a capacidade dos músculos humanos, estava um senhor de meia idade, cabelos agrisalhados e olhar seguro. Miguel era um forte candidato ao diagnóstico de algum transtorno compulsivo. Fundou e liderava a oficina especializada em restauração e transformação de veículos automotores, que funcionava nos dois andares inferiores à sala dele, onde nos encontrávamos nas manhãs de quinta-feira.

“Acho que estou na mesma encruzilhada da vida empresarial onde chegaram alguns colegas e concorrentes a quem motivei a continuar em frente, quando pensavam em parar seus negócios. Hoje, tenho a mesma vontade e os mesmos motivos deles” – disse, abrindo a conversa naquela manhã.

Era fácil adivinhar quais seriam os principais motivos da angústia de Miguel. Ele tinha ultrapassado o ponto de maturação do empreendimento, quando a continuidade e evolução do negócio dependem da passagem de bastão entre o perfil centralizador, que levou o negócio ao crescimento até então alcançado, para perfis gerenciais corporativos, mais colaborativos e atuantes no desenvolvimento corajoso dos membros de sua equipe.

“Todo o meu prazer estava no dia-a-dia desta oficina. Os desejos de meus clientes na restauração de seus veículos, eram menores que os meus em fazer aquilo por eles. Meus colaboradores têm prazer de mesma intensidade que o meu, mas em agradar a mim e não ao cliente. Estou cansado de ter que me preocupar com cada detalhe do que minha equipe faz. Hoje, eu gostaria que meus funcionários atuassem como se fossem donos” – reclamou.

Chamo ao modelo de gestão do Miguel, de Ninho de Passarinho: a mãe, ao centro, é atentamente observada pelos filhotes que, de bicos abertos, esperam ansiosos por um punhado de alimento. Quando recebem, reagem para engolir e voltam rapidamente a abrir o bico para a mãe. Da mesma forma, o líder com aquele perfil tem e gosta de ter os olhares para si, ao mesmo tempo que observa a todos de perto. Seus colaboradores só funcionam quando recebem tarefas de curto prazo e orientações de como executá-las. Sabendo da proximidade do olhar do chefe, alguns funcionários se acomodam e contam com a orientação e/ou advertência. Outros, podem não gostar de pensar com a cabeça do líder e não com as suas próprias.

Chamo ao modelo de gestão do Miguel, de Ninho de Passarinho: a mãe, ao centro, é atentamente observada pelos filhotes que, de bicos abertos, esperam ansiosos por um punhado de alimento. Quando recebem, reagem para engolir e voltam rapidamente a abrir o bico para a mãe.

O processo de construção de ambiências corporativas com funcionários de iniciativa e foco nos resultados, requer tempo e esforço, principalmente de líderes com perfil como o do personagem Miguel – centralizador e impecável nos detalhes. É preciso, inicialmente, que as regras estejam institucionalizadas e não na mente do dono. É necessário que papeis, suas configurações, atribuições e missões, estejam formalmente definidos – isso é deôntica e fundamentalmente motivador.

Depois, para que se tenham competência e vontade nos ocupantes, além de cuidados com recrutamento, seleção e engajamento, deve-se dar atenção estratégica ao desenvolvimento pessoal e profissional das pessoas – isso também é motivador.

No caso de Miguel, o que se fez foi criar políticas que deixaram colaboradores e gestores em crescimento notável. Todos se percebiam desenvolver enquanto prestavam serviços da mesma qualidade do fundador, atuando na matriz ou em qualquer uma das quatro oficinas abertas em diferentes capitais desde quando ele expressou seu desejo: “Hoje, eu gostaria que meus funcionários atuassem como se fossem donos”.

Sobre Álvaro de Carvalho Neto

Educador coorporativo desde 1996, tem graduação em Administração de Empresas e especialidades em Análise de Sistemas, Marketing, Liderança, OS&M, Gestão de Projetos, Coordenação de Grupos, Coaching e Psicodrama Sócio-educativo.

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