A beleza da paisagem se vê de passagem.

Publicado no Jornal Local em 25/08/2021 com o título O trabalho dignifica, não justifica.

A nova feição no rosto de Sheila reprovava minha pergunta. Era preciso fazê-la entender que seus reclames sobre sua atual situação poderiam ser exercícios que lhe davam inconscientes ganhos emocionais naquela condição. Em tal movimento, ela mesma evitava achar ou aprovar soluções sem notar o disfarçado receio de perder atenção para suas lamúrias – seu verdadeiro proveito. 

Sheila demorou um tempo para descobrir-se como a própria mantenedora do estado em que se encontrava. Minhas indagações sobre quais seriam os benefícios que a acomodavam na posição reclamada ainda soaram incoerentes por mais dois ou três de nossos encontros. Somente depois de encarar-se corajosamente como culpada, pudemos identificar alguns de seus objetivos práticos e seguir com estratégias para alcançá-los. 

Descobrir os ganhos tidos em uma situação indesejada pode parecer paradoxal, mas será o primeiro passo para a saída. Movidos pela mesma angústia da personagem Sheila, aqui criada apenas para ilustração, o empreendedor pode optar pelo fim do negócio ou pela venda dele se tudo o que teria a fazer fosse organizá-lo para crescer. Isso tem a ver com ganhos emocionais mais significativos que o crescimento estratégico poderia trazer. 

Pergunte-se agora, empreendedor, se a necessidade de vender apenas o que pague os vencimentos da semana não é mais forte em você do que as possibilidades de organizar seu negócio para que cresça a níveis nacionais, por exemplo. Se quiser e puder, seja honesto na resposta que der a si mesmo. Ajudando-o na tarefa, imagine seu empreendimento funcionando bem em todos os aspectos. As vendas, compras e/ou produção gerenciadas por profissionais suficientemente qualificados, fazendo crescer exponencialmente seus lucros, surgir novas unidades de negócio e alcançada sua tranquilidade. 

Seria seu status de sucesso? A princípio, parece que sim. Viável? A cada ano, muitos e muitos pequenos empreendimentos alcançam a condição retratada aí em cima. É o que você verdadeiramente quer? Considere corajosamente algumas perdas prováveis: perderia a posição do herói de guerra voltando para o povo defendido ao chegar em casa no final de cada dia; perderia a culpa dos gestores governamentais para suas impossibilidades; perderia o consolo de outros empreendedores enquanto vítimas do sistema tributário; perderia o cliente mantido apenas pela amizade; perderia o poder de atropelar processos para empregar parentes; perderia a capacidade de acompanhar pessoalmente a todas as atividades do negócio; perderia argumentos em geral, etc. 

Os sonhos que fizeram nascer o negócio do empreendedor precisam estar adiante e iluminados, sempre. Mesmo que alterados com a evolução do empreendimento e mudanças conjunturais, serão eles que justificarão as iniciativas pelo crescimento. No entanto, é preciso mitigar riscos da jornada e neles estarão os ganhos emocionais. No turbilhão de afazeres, essas influências viscerais costumam ficar sem atenção suficiente e acabam ganhando mais serviços que o atento olhar empreendedor pode supervisionar. 

Sobre Álvaro de Carvalho Neto

Educador coorporativo desde 1996, tem graduação em Administração de Empresas e especialidades em Análise de Sistemas, Marketing, Liderança, OS&M, Gestão de Projetos, Coordenação de Grupos, Coaching e Psicodrama Sócio-educativo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *