A saga empreendedora de Frieda: o parto.

Revisão do texto publicado no Jornal Local em 27/04/2022.

“Eu sei que tudo precisa ser resolvido rapidamente, entendi isso desde o meu primeiro dia aqui. Mas entendi também que a missão e as atribuições de minha função precisam seguir os processos definidos. Até aí, está tudo sob meu controle. Mas o meu maior desafio tem sido compreender qual é a dela e de que forma diferente ela quer que funcionemos”.

Mesmo falando de sua aceitação ao comportamento da proprietária, o olhar de refém no cativeiro de Sérgio expressava desalento. O gerente parecia buscar justificativas que explicassem para si próprio a importância estratégica daquela forma dela agir.

“Ela passa por cima de meu cargo como se eu não existisse nele ou como se toda a minha experiência fosse pouca para assumi-lo. Fala diretamente com os funcionários e exige que façam rápido aquilo que ela quer”.

A expressão favorita de Frieda: “Comigo o problema é resolvido na hora, não espero, eu ajo” me martelava a mente enquanto eu ouvia os desabafos de Sérgio.

“As moças do setor de compras, por exemplo, não sabem mais se agem da maneira formal que elas e eu implantamos, ou se buscam orientações da Dona Frieda para cada novo fato com os fornecedores” – concluiu o gerente.

Naquela mesma sala, sentada na mesma cadeira onde agora Sérgio se lamentava, Frieda esteve nas três últimas manhãs de quinta-feira. Nos encontros, decidiu comigo pela criação do novo papel de gerente e pela contratação de Sérgio, ajudou a definir as responsabilidades e missão do novo cargo, assimilou a importância e como se organizaria o supermercado com a chegada do gerente e ensaiou os discursos para falar com todos sobre as mudanças. Fez tudo, reconhecendo que não conseguiria mudar seu comportamento, mas assumiu consigo mesma que respeitaria o que estava sendo implementado. Não respeitou.

Os empreendedores que começam seus negócios a partir das próprias iniciativas, sem um planejamento que assegure ações mais assertivas, têm em si mesmos a garantia do sucesso de cada passo. Em pequenos avanços, aprendem quais foram as providências e o comportamento que deram certo, assimilando-os como padrão de funcionamento. Incorporam o que sentem ser um jeito válido de agir. Quando as possibilidades de mais crescimento estão na empresa que criaram e não na competência pessoal que tiveram para levá-la até aquele ponto, enfrentam a mesma dificuldade de Frieda. Sentem-se inseguros e desconfiados para delegar tarefas e incrédulos diante da possibilidade de formas, qualidade e tempo melhores dos que somente eles produzem.

Não se tem na conduta do empreendedor o objetivo das mudanças, mas estará nela o maior desafio durante a fase de virada entre um empreendimento informal e uma empresa com formas desdobráveis. Paradoxalmente, no próprio empreendedor estará o maior desejo pela transformação, assim como o entendimento e a aceitação do desenho mais apropriado para o corpo da entidade a se criar. O hiato entre essas duas realidades precisa ser preenchido através de um processo dolorido, tanto para o negócio, quanto para o empreendedor e funcionários. São esforços de todos que se interessam pelas bases sobre as quais passarão a funcionar e que trarão as possibilidades de crescimento esperadas.

Não se tem na conduta do empreendedor o objetivo das mudanças, mas estará nela o maior desafio durante a fase de virada entre um empreendimento informal e uma empresa com formas desdobráveis.

Com Sérgio, nos preparamos para lidar com a personalidade da patroa sem perder o foco nos resultados propostos para o cargo que ele ocupava. Ensaiamos sua conduta em conversas que teria com Frieda, esclarecendo sua compreensão às preocupações dela, certificando-a do seu preparo para administrar os problemas e alcançar os resultados que ela mesma esperava.

Com Frieda, aumentamos a frequência de nossos encontros para tratarmos mais pontualmente de cada fato gerencial, usando-os como laboratório de desenvolvimento para sua conduta. Era preciso que ela se visse em cada reação tida, avaliando-se e ajustando seu funcionamento pessoal. Respeitando-se a si mesma e ao negócio que agora precisava parir.

Sobre Álvaro de Carvalho Neto

Educador coorporativo desde 1996, tem graduação em Administração de Empresas e especialidades em Análise de Sistemas, Marketing, Liderança, OS&M, Gestão de Projetos, Coordenação de Grupos, Coaching e Psicodrama Sócio-educativo.

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